Há um conceito que está sendo largamente usado em alguns círculos de debates sobre filosofia política contemporânea que é o de hiperstição. Obviamente que este conceito se relaciona com a superstição. Enquanto esta pode ser definida como uma crença falsa, a hiperstição, por sua vez, é uma espécie de profecia autorrealizável.
Por meio da qual identificamos tendências que se tornarão reais em um futuro próximo (ex.: aumento da fome e migração forçada se houver o fim de programas estatais de assistência alimentar; aumento da violência devido o acirramento do tráfico internacional de drogas em determinada cidade portuária e etc.).
Não há nada de mágico ou sobrenatural na hiperstição, mas sim esta demonstra formas de enxergar tendências históricas. Quero aqui, com isso, fazer um exercício de hiperstição sobre o destino do Ceará Sporting Club no ano de 2024, levando em consideração tudo o que ocorreu no presente ano. Apresentarei quatro tendências de hiperstição e, no dia 28/11/2024, quero revisitar esta coluna e compreender se, de fato, as tendências que identifiquei estavam corretas.
Primeira tendência hipersticional: O primeiro semestre da equipe será terrível, fazendo uso de um futebol feio e sem objetividade. Isto é perfeitamente esperável de uma equipe em completa reformulação de elenco e que, provavelmente, vai enfrentar imensa dificuldade em contratar alguns atletas, por conta da pressão exercida pela torcida e mídia sobre a montagem de um time a partir do zero.
Muitos jogadores não vão querer fazer parte disso. O símbolo talvez esteja nas laterais. Todos os laterais-direitos do elenco de 2023 não ficarão para o próximo ano e considero isto como uma tendência hipersticional clara. Ou seja, em vez de identificar os problemas de gestão que fizeram com que um conjunto de bons jogadores não conseguirmos formar um time, a diretoria preferiu “rifar” tudo.
O primeiro semestre deveria servir de laboratório de montagem de um time competitivo para a Série B de 2024, não importando os resultados, mas sabemos que a diretoria não tem cacife para bancar o que é melhor para o clube (espero estar errado e ver a grande virada de gestão). Então, torcedor, se prepare para sofrer mais do que o necessário.
Segunda tendência hipersticional: Gostaria, imensamente, de errar minha “previsão”, mas penso que por conta da pressão da torcida e da falta total de convicção da diretoria em seu próprio planejamento, vai haver mais demissões ao fim do Campeonato Cearense e Copa do Nordeste de 2024 devido a nossos prováveis péssimos resultados de início de temporada.
Eu não tenho a mínima convicção de que o novo executivo de futebol, Lucas Drubscky, tenha dito ao presidente o que provavelmente ocorrerá no primeiro semestre de 2024. Pelo contrário, provavelmente Drubscky abraçou a ideia sem lastro de João Paulo Silva de ser arrasador em todas as competições com um elenco ainda nem montado.
Futebol requer tempo, repetição e feedbacks sobre os erros cometidos, coisa que, pelo andar da carruagem alvinegra, não teremos.
Segunda tendência hipersticional: Devido aos péssimos resultados do primeiro semestre de 2024, Vagner Mancini vai sofrer uma pressão terrível. Essa talvez seja a tendência mais facilmente autorrealizada, pois treinador de futebol e pressão por resultados são sinônimos.
Contudo, espero que Lucas Drubscky e principalmente João Paulo Silva segurem suas canetas demissionais e mantenham o trabalho até o final do ano. Em coluna anterior, eu já expus que Mancini não é o treinador de minha máxima preferência.
Mas, se há algo no futebol que deveria ser uma máxima é a de deixar o treinador terminar a temporada e daí avaliar a continuação ou término do trabalho. Se o trabalho continuar até o fim do ano, tenho grandes convicções que voltaremos para Série A, além de ser uma novidade de gestão em relação à época de Robinson de Castro e do próprio Joao Paulo Silva este ano.
As demissões de Guto Ferreira em 2021, Tiago Nunes em 2022 e Gustavo Morinigo em 2023 foram terrivelmente equivocadas e contribuíram decisivamente para os últimos anos de derrocada. Isto significa que as decisões da diretoria serão cruciais no próximo ano muito mais do que nos últimos seis anos.
Quarta e última tendência hipersticional depende da variável da terceira tendência, ou seja, a demissão de Mancini devido aos péssimos resultados ou sua manutenção. Torço para que o deus grego que protege dirigentes de futebol ilumine o juízo de João Paulo Silva, de modo que ele dê o aval à continuidade do treinador que montou o elenco e que também dê a ele a prerrogativa de errar.
Se tudo isso ocorrer, nosso terrível primeiro semestre será compensado com a subida do time à Série A e também talvez com uma boa campanha na Copa do Brasil, uma vez que iniciaremos apenas na terceira fase, quando a equipe já estiver começando se afeitar como time.
Ora, a história humana, as relações políticas e de poder, as tendências econômicas etc., são bem mais fáceis de aplicar a hiperstição do que esta “caixinha de surpresas” que é o futebol. Contudo, se minhas hiperstições estiverem corretas e se diretoria e torcida contribuírem, ano que vem vai ser, ao mesmo tempo, terrível e doce para o Ceará; que saibamos limpar dos lábios a amargura para, posteriormente, aproveitar a doçura.
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